não é sempre que escuto música clássica
de quando em quando arrisco Mozart pra silenciar o peito e linguajar a casa
as músicas não cantadas são boas em dar voz ao que sinto
por vezes é nessa hora, de notas soltas à sorte, lançadas ao espaço
que penso a fome do meu corpo
vejo proliferar nos cantos vazios da sala a grandeza dos sons – do piano e do apetite
sento na poltrona, acendo um beck
desfruto de minha própria companhia e assisto a natureza morta existir deliberadamente vívida
vejo-me refletida no vidro e gosto da beleza trágica que circunda meu existir neste mundo:
o flerte com a solidão, o gosto pela arte, a queda ao erudito e ao belo, coração delirante, poético
dentro do cenário existe sempre essa versão saturada de mim mesma, do corpo desejante
a transparência das roupas, os tecidos finos
mamilos delineados propositalmente, como uma marca - um lembrete insistente do meu pacto com a libido: nunca cercear
o sol da tarde que condensa a vontade do toque, mas não de qualquer toque
o meu
percorro as mãos pelas curvas, aliso minhas extremidades, reconheço a textura dessa pele
respeito a realidade das formas, olho nos olhos do meu reflexo
me excito com essa versão animalesca de mim
vulgar
porque não?
ao passo que os instrumentos ressoam junto à corrente de vento, meus movimentos, numa oitava acima, como se ventasse também meus dedos
aprecio o ímpeto venéreo que me sobe às pernas e se enrosca nos cabelos caídos pela nuca
dedilho a buceta, voluptuosa
satisfaço à mim, entorpecida de malícia
escorrego da poltrona para o chão, esticar-me ao solo, o piso frio toca às costas e respondo em arrepio – prazer estético: o corpo no chão, ramificado
intensifico os movimentos dos dedos, o corpo hora se contorce hora se estende – um balé despudorado que sugere luxúria.
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