rosto rosado queimado de sol
o apicultor tinha cabelos e olhos cor de mel – um doce acordo de sua existência bucólica
sorria pra mim o tempo todo e contava com justíssimo entusiasmo sobre as águas que já nadou e cada curva familiar da trilha-quintal-de-sua-casa
minha pele estava quente e eu alegremente cansada pela longa caminhada
sentou-se ao meu lado para assistir o sol descansar e conforme se punha, punha-se também entre nós um desejo silencioso – e licencioso – endossado pela planta que fumávamos
sustento o olhar trebelhando um ímpeto despreocupado, jovem
ele é mais novo do que eu e essa são paulo que me deu à luz é muito mais violenta – quero dizer que ele parecia um tanto menino demais
ingênuo demais
doce demais
sorridente demais
e eu, fragmentada demais para ser aventurosa assim
será mesmo?
volto meus olhos nos dele e sinto uma mulher urbano-devoradora tomar espaço, sorrio o tempo todo desde que cheguei aqui – como se tudo me arrancasse prazer das entranhas, álacre
o céu desmancha-se em tons de rosa, roxo e laranja e essas luzes quentes realçam as maçãs do rosto ardente do sol amarelo de antes
trago mais uma vez o fumo e passo para que ele me acompanhe
solto a fumaça espessa muito perto de sua boca e ele devolve lentamente enquanto olhamos um a boca do outro por trás da nuvem dançante que as separam e mais devagar ainda nossas bocas vão se aproximando
a cortina de fumaça dissolve-se no ar abrindo espaço pra que um beijo aconteça
agora ou nunca – então agora
nosso beijo parece tão calmo quanto o processo de repouso do sol, lento
um céu vulgar de cores queimosas agora nos assiste
e as árvores
e as rochas
e os pássaros, mas não só – os outros viajantes que vieram assistir a natureza se pôr, também assistem esse escândalo de céu
e esse escândalo de beijo
como um bom-péssimo clichê: quando a gente beija o tempo é o tempo do beijo e nem sei quanto tempo levou
quando nos desgrudamos ele ainda sorria e eu queria mais
proponho
“tem outra trilha por aqui?”
ele pareceu surpreso e contente
“não, mas vem comigo”
ele se pôs de pé tão rápido como um pássaro levantando voo e me estendeu a mão
pousei os dedos e noutro movimento veloz ele entrelaçou nossas mãos e saímos depressa
eu e o guia me guiando em outra aventura – tão selvagem quanto a mata
ele sinaliza os lugares certos para pisar, tem rocha solta que se pisar, você cai.
por entre folhagens e pedras ele ainda segura minha mão e ambos olhamos para trás com medo de alguém nos seguir
adrenalina.
eu sinto como se meu corpo todo risse comigo
“é aqui”
meu riso se dissolve e o riso dele permanece intacto
olho ao redor pra saber quem nos assiste
uma rocha gigantesca reflete pequenos pontos reluzentes em dourado e branco
eu toco a pedra com certo encantamento
“é mica”
mica.
passeio a mão pela superfície da pedra, completamente maravilhada
“agora olha a sua mão”
ponho as palmas frente aos olhos e elas brilham
eu rio de fascínio igual quando uma criança descobre algo que pertence ao mundo e volto as mãos novamente à rocha
“é um mineral brilhante que tem nas rochas metamórficas”
“eu amei”
ainda entretida com a nova descoberta ele se aproxima das minhas costas e fala baixinho
“logo vai anoitecer e precisamos ir...”
lembro para que viemos quando ele beija minha nuca e sinto o contato arder na vermelhidão da pele queimada
me viro de frente pra ele e encosto na pedra
ele me beija
agora rápido
rápido demais até
a floresta se apresenta viva conforme esqueço um pouco da mica – eu ouço os cantos e os ventos
comprimida entre ele e a rocha exploro sozinha a gruta que abriga tua língua – sem guia – voando solta dentro da boca que escolhi trilhar
o guia que conhece os atalhos vai direto à caverna onde mora sobretudo, a fome
corro as mãos até o shorts que veste e encho as mãos de sexo
esfregamo-nos um ao outro, sanguíneos
abro os olhos com receio de plateia humana e vejo sua pele tomada de mica
me alimenta de poesia vestir o mineral
não estamos completamente nus pela pressa mas aproveito as partes expostas para me pintar de mica – dançando a pele na rocha
de frente
de costas
meu guia se esfrega no meu corpo e logo seremos inteiros pele rósea com micas douradas – tal qual o céu que aos poucos abre espaço para a chegada da noite, anil
navega a língua na minha boca e com a mão abre o botão da calça que visto, coloca a calcinha para o lado e uma risada um tanto longe um tanto perto nos surpreende – brevemente nos afastamos como se nada
estivesse acontecendo por ali
a gente ri, cúmplice
abaixo calça e calcinha até os joelhos e ele vem pra mim de novo
encostada na pedra, ele levanta minhas pernas e apoia em sua cintura
ele geme ao entrar, a boca um pouco aberta
me seguro nos seus ombros e afrouxo a consciência à convite da selvageria
como dois animais trepamos no mato
como duas rochas metamórficas, brilhamos no cerrado
alguém chama pelo guia
é hora de ir
igualmente desejosos e sem gozar.