quero, porque quero te dar amor
insisto.

uma música, um ritmo, um som espalhado no ar, uma nota virando a esquina da porta do quarto em direção à sala, uma voz rodopiando na varanda, dois pés que tocam o chão e o vento, duas mãos apoiadas na cintura, dois ombros desenhando círculos disformes, abstratos - um corpo que se movimenta na voz de alguém: um corpo que dança.
eu sinto a música entorpecer a pele, os órgãos, as células, o sangue, as artérias - dançar é um pouco como sexo - o movimento, o calor, o prazer e a embriaguez que ele causa, o peito lascivo, o suor e a delícia;
o início da dança é também preliminar:
o estímulo
o aquecer
sentir
aguar
e eu diria
que toda dança
deveria terminar
em sexo.

Bala Desejo é o novo som que me faz querer rasgar o ar e depois a roupa - tem algo de quente no tom, no som, na voz
escuto 'passarinha' e quase a casa toda me convida para o balancê
aceito o convite
aceito um baseado
aceito aumentar o volume
aceito olhar-me no espelho
aceito abrir um vinho só pra mim
dançamos eu e eu - e nunca fomos tão felizes
e tão nossos

risco no chão as pontas do pé
toco o taco com os calcanhares
visto minha pele de suor salgado
vejo no reflexo do espelho o calor estampado na camisola
o cetim cola na epiderme
sobressaem-se as curvas
as formas do corpo que é meu e tão meu quanto jamais foi antes

quando o vinho me sobe um pouco
desejo ser tocada
quando a fumaça do beck toca o teto
desejo ser tocada
bochechas tão rosadas quanto o vinho rosado

acendo um cigarro e o trago me olhando nos olhos,
narcisista, penso
e no momento seguinte - quem além de mim aqui para olhar essa mulher queimar?
a verdade é que nessas horas a solidão é um pouco chata,
na mesma proporção que é gostosa
e excitante
vocês não imaginam
o que fazem as mulheres
quando estão só

penso num conto:
como eu queria ser comida hoje?
quem é que vai passar por aquela porta, subir a camisola e socar fundo na minha buceta?
nenhum rosto me vem em mente, cansei de todos eles
e de suas obviedades
tediosos
eu queria outro
um que viesse na contramão
alguém que me adivinhasse

quiero que quiero te besar, amor
canta a moça da voz bonita
e hoje o conto tem esse tom
de fim da tarde
me deito no chão
me deito sob as memórias - eu vou construir um conto
gozar minha obra em sua plena construção
deixo que as costas se acostumem com o chão frio
enquanto dedico um tempo para lembrar de orgasmos inesquecíveis
toques improváveis abrem uma fenda no tempo - eu sinto mesmo arrepio
corpo tem memória.
lembro da festa
do corpo dele se esfregando no meu ao som de buena vista social club
nenhum passo era ensaiado mas a gente sabia exatamente como se encostar
a gente suava
o ar estava quente
sabe quando não venta?
o ar parece grudar na pele
uma camada uma oitava acima da temperatura
não muito agradável
mas muito interessante para mim e pra este corpo gostoso que me rodopia no ar
com o pau duro
o beijo era quente porque a boca era quente e o lábio quente e a língua quente
as roupas molhadas
eu já gemia no ouvido dele antes mesmo de tirar a roupa
lembro do momento exato que ele enfiou o dedo na minha buceta
nossas barrigas coladas
minha perna esquerda enrolada nele
um pouco a gente dança
um pouco ele fode minha buceta com os dedos
vamos ali no carro?
vamos
o som da porta do carro fechando
o silêncio
e o eco da música
e o eco da dança
ecoando
ecoando no som alto do estalo do beijo
ele abre a calça
coloca a camisinha
eu sento
como se ainda dançasse
ele chupa meu pescoço
como se ainda dançasse
e como se a música e a dança estivessem prestes a acabar
acabo também por gozar
fecho os olhos
seco a mão gozada na camisola
estou relaxada
ouço a música festejar sozinha na sala
não consigo me mover agora
esboço um sorriso
talvez ele viesse aqui se eu convidasse
será?







