este conto deveria começar na varanda, onde estão as melhores lembranças daqueles dias
talvez termine por lá, com teu gozo escorrendo pelas minhas pernas
e uma voyeur lua cheia em capricórnio bem ali, a nos assistir
talvez sozinha,
talvez acompanhada de alguns moradores do prédio da frente
mas era tão tarde - eles deveriam estar dormindo, deixando a madrugada ser nossa
e de outros amantes, tantos...
antes de aventurar a luxúria na sacada, era na mesa da sala que ele me pegava.
lembro do barulho do móvel tilintando com a parede
como se brindassem cada vez que ele metia com força em mim
o som de uma trepada está além muito além dos gemidos - camas rangendo, mesa chiando, o som da água do chuveiro caindo irrelugar no chão, entre outras tantas sonoridades do pecado que muito me interessam, me excitam e me retêm;
antes da mesa, tirávamos louças, garrafas, velas e comidas, até então espalhadas desorganizadamente,
um retrato, uma denúncia e, agora, uma memória de nós dois, de frente um para o outro, dizendo amenidades e depois obscenidades e depois tirando o prato para ser teu prato - com tamanha expectativa de você não cuspir depois de comer mas enquanto comesse.
antes do jantar, ele trocava o disco da vitrola,
pousava a agulha com delicadeza e antes que Billie Holiday começasse a cantar, me pus ao seu lado, para beijá-lo mais uma vez
sabe
tem uma coisa que está presente em quase todos os relatos selvagens que vos escrevo - a repetição do excesso.
eu tento amar tudo que posso numa só noite
e explico: a gente nunca sabe se existirá um próximo encontro.
já me aconteceu muito, deixar algo para depois
e esse depois nunca chegar
recomendo o mesmo: faça de conta que é a única vez.
ao invés de
quem guarda tem
quem guarda
fica sem.
não economizo beijos
abraços
salivas
e gozos
se precisar
posso até dizer
um te amo
ainda que seja sem corpo
ou profundeza
me interessa a beleza
do amor de uma noite só.
In my solitude you haunt me
With reveries of days gone by
In my solitude you taunt me
With memories that never die
I sit in my chair
Filled with despair
antes de Billie Holiday e beijos de língua, eu cozinhava e ele olhava, um papel que se invertia - prefiro olhar do que cozinhar
eu olhava a colher mexer o molho
e ele vinha beijar minha nuca
levantava minha blusa
apertava minha bunda
propunha pedir alguma coisa
qualquer coisa
que tirasse minha atenção das panelas
e me deixasse abrir logo as pernas.
depois da cocção, do disco, do beijo, do jantar
e das amenidades
é chegada
finalmente
a hora das obscenidades
ele folheava o Trópico de Câncer, que estava ali, numa estante
''Ó Tânia, onde estão agora aquela sua boceta quente, aquelas ligas gordas e pesadas, aquelas coxas macias e arredondadas? Em meu membro há um osso de quinze centímetros de comprimento.Tânia, alisarei todas as pregas de sua vulva, cheia de semente. Mandá-la-ei de volta para seu Sylvester com a barriga doendo e o útero virado. Seu Sylvester! Sim, ele sabe acender um fogo, mas eu sei inflamar uma vagina. Enfiarei pregos quentes em você, Tânia. Deixarei seus ovários incandescentes. Seu Sylvester agora está um pouco ciumento? Ele sente alguma coisa, não sente? Sente os remanescentes de meu grande membro. Deixei as margens um pouco mais largas. Alisei as pregas (...)"
Henry Miller
publicado pela primeira vez em 1934, ficou proibido nos Estados Unidos até 1961.
tendo sido acusado de pornográfico e obsceno quando foi lançado, o livro de Henry Miller pode, hoje, ser lido, sem as lentes do preconceito, como um dos mais intensos testemunhos literários de uma geração que mergulhou de cabeça na vertigem do século XX.
e ao ler, me parecia deliciosa cada palavra que saía daquela boca.
e queria eu, também os pregos quentes e o membro.
antes mesmo que terminasse
levantei da cadeira
arranquei a calcinha
sentei no seu colo
falei bem perto da sua boca
continue
ele balbucia mais duas ou três palavras
e quase as coloca dentro da minha boca
com língua
com tudo
a gente se amassa
entre mesa, cadeira, vestido e camisa.
passeando a mão no meu corpo
ele arranca a única peça que visto
o jazz se espalha na sala junto com a boca que ele espalha em mim
salto do teu colo
o convido para o quarto
ele diz
senta aqui e aponta a cadeira, obedeço.
ele começa a retirar as louças
eu fico louca
depois fazemos isso
digo
e ele pergunta
se tenho pressa
o ajudo a carregar as coisas para a cozinha
pelada
e lá
me jogo nos seus braços
ele toca gostoso os dedos na buceta
e me conta o quanto estou molhada
e para
volta para a sala
termina de tirar as louças
eu
parada na cozinha
me toco sozinha
encostada na pia
com os dedos enfiados no buraco
ele sorri
e assiste
cheio de coisas na mão
apoia o que resta na pia
vem até mim
gruda a mão no meu cabelo
e me puxando
fala
vem cá
arrastada pelos cabelos
chegamos na mesa, agora vazia
exceto pelo livro pornográfico de capa verde água.
com os cotovelos apoiados na mesa
ele me come
os pés da mesa rosnando para os tacos do chão
um pau que trinca duro meu útero
ele goza
assim
sem qualquer aviso prévio
gozei
desculpa
não segurei
tudo bem
tudo bem mesmo, acontece.







