Aproveitando que agosto é o mês da Visibilidade Lésbica, o assunto da vez é sério e essencial para as mulheres que se relacionam com mulheres, assim como pessoas com vulva (de outros gêneros) que se relacionam entre si. Há dados e relatos do quanto é desafiador para muitas delas terem uma boa relação com ginecologista, portanto, com a própria saúde sexual.

Desde falta de acolhimento nas consultas a negligência, possibilidades escassas de preservativos, entre outros problemas, resultado de uma sociedade e de uma formação médica com foco em relações heteronormativas. Vem entender mais sobre o assunto com direito a relatos de médica e paciente.


Apenas 47% delas frequentam ginecologista anualmente

Vamos aos fatos, de acordo com uma das últimas pesquisas realizadas sobre o assunto (infelizmente antiga, de 2019) feita pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), 76% das mulheres (independentemente de sua sexualidade) realizam consultas ginecológicas anualmente. Porém, a porcentagem cai para 47% ao falar das mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM), de acordo com o relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, do Ministério da Saúde (MS).

Mesmo que não tenhamos os dados atuais, o índice é preocupante, quando a recomendação para prevenção de doenças, é que as consultas sejam realizadas anualmente junto com os exames.


Possibilidades e problemáticas dos preservativos


Infelizmente muitas pessoas acreditam que relações entre pessoas com vulva têm menos risco de contrair ISTs, mas isso não é verdade: existe o risco de transmissão seja por contato entre a mucosa oral ou vaginal. Por isso é preciso se prevenir para evitar o contágio de vírus como gonorreia, HIV, HPV, hepatites, entre outros tipos.

O uso dos preservativos entre mulheres é menor, assim como as opções não são tão práticas quanto a camisinha para pessoas com pênis, por exemplo. Mas isso não dispensa o uso, pelo contrário, é preciso utilizar os métodos existentes e se prevenir durante as relações.

A Dra. Jaqueline Ferraz, ginecologista e professora efetiva do curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia, participou da entrevista para a Exclusiva e explica as orientações para prevenção de ISTs “Na verdade as recomendações são as mesmas para qualquer pessoa, mas, o ideal, seria usar preservativos femininos e o Dental Dam, um material odontológico, de barreira dental, feito de látex ou de silicone, que reduzem o risco das mulheres contraírem infecções sexualmente transmissíveis de suas parceiras, quando usadas no sexo oral-vaginal ou oral-anal, como também usar luvas de látex ou silicone.”

Também é importante não compartilhar acessórios como vibradores, pois também podem transmitir ISTs, se for compartilhar o uso é importante higienizar adequadamente e usar preservativo no sex toy.

A Beatrice Quinelato, de 23 anos, lésbica, comenta sobre orientação de uso de preservativos que já recebeu em ginecologistas “Uma única vez, em uma faculdade de medicina, fui atendida por estudantes e provavelmente seguindo protocolo. E foi aquilo que eu falei: camisinha no dedo. Mas, além disso, será que ninguém pensa que nem toda mulher gosta de penetração? Que sexo não se resume a isso? Tudo ainda é tratado de forma muito heteronormativa, como se existisse um único jeito de viver a sexualidade. Falta sensibilidade, falta escuta, falta acolhimento. Por mais sapatões ginecologistas. Porque a gente merece se sentir segura, compreendida e respeitada no corpo e na existência.”

A partir desse relato é possível perceber o quanto o atendimento ginecológico ainda é defasado no acolhimento e na orientação de mulheres que se relacionam com mulheres, sendo que é o local onde mais precisam de atendimento, orientação e cuidado para seguirem com uma vida sexual segura, assim como as mulheres hétero.


Vergonha e sexualidade negligenciada

Os dados do início deste texto, de que mulheres que se relacionam com mulheres vão menos ao ginecologista não possui apenas um motivo, é comum haver insegurança, medo de discriminação e julgamento pela própria sexualidade. A Beatrice conta também sobre esse lado que já vivenciou “Na verdade, acho que nunca me senti verdadeiramente segura em um consultório de ginecologia e nem é por vergonha, porque isso eu perdi depois de anos passando por mastologista e sendo examinada. Mas ser uma mulher lésbica nunca foi fácil. Quando a gente é mais nova e a mãe acompanha, é impossível falar, pelo menos, era pra mim.”

Ela ainda continua sobre o padrão de atendimento que costuma receber, tudo pautado por um tratamento heteronormativo “Hoje em dia, é sempre aquele padrão: ‘Tem vida sexual ativa?’, ‘Qual o método contraceptivo?’, ‘Não usa nada? E faz o quê então?’. Aí eu respondo, assumo minha sexualidade mais uma vez, e a reação é sempre uma forçada no olhar, uma viradinha de cabeça, um ar mais crítico. É estranho. E ninguém sabe orientar a gente, além daquela velha história da camisinha no dedo, como se tudo se resumisse a isso. Inclusive, lembro que quando eu tinha lá pelos meus 15 anos, ficava sempre muito nervosa pra ir à consulta, e evitava ao máximo.”


Orientação heteronormativa da sociedade e médica

Como já foi citado nos relatos acima, o que é perceptível pelos dados tanto da entrevistada, quanto de outros dados disponíveis na internet, é que as mulheres recebem um atendimento heteronormativo dentro dos consultórios, resultado do ensino médico voltado a esta forma de atendimento. Assim como o ensino também das escolas, onde as crianças/adolescentes recebem educação sexual voltada a relação entre homem e mulher, como se não houvesse outro tipo possível de relação.

Isso certamente é a chave da falta de prevenção de ISTs, e quem sofre com isso são as essas mulheres/pessoas com vulva. Mesmo em poucos passos, é preciso lutar por essa mudança em todos os ambientes, seja na cobrança por atendimento médico de qualidade, assim como no ensino.

A Dra Jaqueline também conta que não recebeu orientação específica para mulheres que se relacionam com mulheres durante a faculdade “Porque, como me formei há mais de 30 anos, as mulheres que se relacionavam com mulheres tinham muito mais dificuldades de acesso ao serviço de ginecologia, por vergonha mesmo.”

A Beatrice também comenta sobre como ela cresceu e tem agido em relação a isso “Na escola e na vida ninguém ensina sobre relacionamentos sáficos, e muito menos sobre a vida sexual de mulheres como nós, infelizmente, né? Por causa disso, eu sempre achei que não havia necessidade de me prevenir ou fazer exames específicos. Nas últimas consultas ginecológicas que fiz, sempre fui atendida pela mesma médica. Ela nunca me pedia nada além daquele exame de rotina da secreção, sabe? Para verificar bactérias básicas, além dos exames de sangue.”

Ela continua, informando as mudanças que partiram dela mesma “Mas com o tempo fui crescendo, me informando mais e comecei a me preocupar de verdade com isso. Na última consulta, questionei por que ela nunca havia me solicitado exames que realmente analisassem possíveis ISTs e afins. Ela sempre me pergunta se sou virgem, e eu sempre respondo que não, mas nunca me envolvi com um homem, o que, obviamente, não impede o rompimento do hímen. Ela ficou um pouco confusa, mas me entendeu. Então me passou um papanicolau e disse que, se eu me sentir confortável e quiser fazer, fica a meu critério.”

Lembrando que todos têm direito a atendimento médico de qualidade, a Dra. Jaqueline salienta “A paciente que não recebe um atendimento adequado, pode fazer uma denúncia ao Conselho Regional de Medicina mais próximo, informando o ocorrido, o local e o nome do médico para que a instituição tome as medidas cabíveis.”

Este assunto é extenso e importantíssimo, compartilhe este texto com quem você acha que precisa saber sobre o assunto! Comente caso tenha alguma vivência que queira compartilhar.

Escrito por :

Aline Cruz

Aline Cruz
Escrita sempre foi um refúgio e uma forma de transformar o que penso em realidade, antes em cadernos, hoje na internet como jornalista e redatora. Escrevo porque guardar tudo para mim seria egoísmo. Também faço teatro, mergulho nas músicas, viajo dentro de mim e também fora: sejam lugares, pessoas, histórias ou teorias.
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