ele desce para passear o cachorro às sete e meia
todos os dias
vestindo um shorts de corrida
uma camiseta suada de tecido fino. 
por volta das oito horas, sempre nos encontramos na padaria
insisto neste horário
para vê-lo acenar um bom dia sem palavra: somente um levante de sobrancelha
e um meio sorriso
ele pega a guia do cão
e caminha em direção ao prédio - onde já sei que ele mora,  alguns metros antes do meu.

semana retrasada ele me deixou passar na frente dele na fila do caixa
outro dia fiz carinho no cachorro.
ontem ele passou correndo bem na hora que estava esperando o uber, na porta do prédio.
hoje a insônia me pegou.
desci para comprar cigarros na esquina, onde tem um mercadinho 24h.
maço em mãos.
uma culpa me consome ao abrir a embalagem
mas eu estou
ansiosa demais
para não fumar ou fuder ou ligar para ele
na dúvida,
o que me menos me humilha
é fumar
não quero ir pra casa ainda
sento na calçada
pouso os pés na rua
trágica, mas livre
me rendo ao silêncio
aperto o isqueiro
e parece que o som pode acordar a rua inteira
um cachorro vem na minha direção
estendo as mãos para fazer carinho
ele lambe meu braço 
este breve instante me arrancou um sorriso
os olhos azuis do husky siberiano me fitam
é um cão simpático
agora um homem se aproxima
o cumprimento
ele diz que o cachorro é muito dado
eu digo que ele é muito bonito
ele entra no mercadinho
e percebo que perdi a oportunidade de um flerte
mas 
me sinto sem energia para me dedicar àqueles diálogos tendenciosos
que o conduzam
para minha cama.

ele sai do mercadinho e se senta ao meu lado na calçada
eu olho um pouco confusa
ele abre uma lata de cerveja
e me oferece
eu aceito
ele abre outra
a gente brinda
ele diz
sextou
eu rio
o cachorro se deita perto dos nossos pés
eu digo
você mora ali? aponto
e você ali? aponta
sim
você parece triste
estou um pouco, obrigada pela cerveja
você está acampando aqui para pegar a primeira fornada do pão de queijo? 
e aponta para a padaria na nossa frente
ele realmente me arrancou um sorriso
é porque você chega antes e leva todos
ele ri
tem um sorriso bonito
por um segundo me pergunto se estou bonita, não me lembro com que cara saí de casa
da próxima vez vou me lembrar de deixar um pão de queijo pra você
ah que gentil, digo irônica
ou você pode me acompanhar no café
até que enfim, achei que eu ia ter que começar a correr no mesmo horário para você me notar
parece que a preguiça do xaveco se foi, agora quero
ele bebe um gole da cerveja
e imagino o líquido gelado tocando a garganta em queda
bebo também um gole
não precisa correr no mesmo horário, se não eu perco momento que você sai na varanda.
aliás, ele continua, sua varanda parece enorme
quer ver?
me levanto
apago o cigarro na sola do sapato
e carrego a bituca apagada na mão
ele se levanta
e durante o caminho até em casa me conta seu nome, o que faz e pergunta para mim se moro só
digo que sim
e me adianto: mas eu sou muito amiga do meu vizinho de porta e se você tentar alguma coisa eu vou gritar
ele ri 
nosso único assunto em comum é o bairro
mas ele me faz rir
gosto.

quando entramos em casa
ele foi logo na porta da varanda
dá um passo para trás e diz
hoje vou ver você abrir de outro ângulo
bom argumento para olhar minha bunda
eu digo, sorrindo
ele diz que olhou bastante quando cedeu o lugar na fila
compartilhamos uma risada
giro a maçaneta para abrir a porta
ele se aproxima e coloca a mão em cima da minha 
abrimos a porta
posso te beijar ou seu vizinho vai me matar?
é melhor que eu te beije
quando quiser, estou pronto
ele diz de um jeito engraçado
me afasto dele e vou até o espelho
shorts, chinelo, um moletom escrito Futuro e completamente descabelada
posso beijar você quando eu estiver mais bonita? 
para mim está bonita o suficiente
bom
então vamos lá, eu falo alto
caminho até ele
coloco a mão nos seus ombros
ele não parecia tão alto antes
toco sua barba
e o beijo.

foi um bom beijo.
bom o bastante para me deixar excitada.
bonito o bastante para me render um conto.
interrompo o beijo quando as mãos dele descem até tocar minha bunda
ele diz
desculpa
eu digo
só desculpo se você pegar mais
tiro o shorts
me viro de costas 
ele aperta minha bunda
dá um tapa
e me encoxa
foi bem gostoso
ele conduz meu corpo até o sofá
se senta ao mesmo tempo que me puxa e fico no colo dele, ainda de costas
não temos intimidade para transar olhando no olho
essa me parece uma boa posição
para nós
tiramos juntos meu moletom
ele abriu meu sutiã
tocou meus peitos e grudou minhas costas nele
ficou passando a ponta dos dedos nos mamilos
uma mão em cada
e aquilo me deixou muito excitada
um sutil beliscão com o bico entre polegar o indicador
com a força ideal
que não machuca
e convida
convida demais.
ele se demora no meu peito
eu tento me mexer para tocá-lo
ele faz um ssshhh 
baixinho
me pede para ficar paradinha
assim, no diminutivo
me arrancou um suspiro
minha buceta fica tão quente que meu corpo quer muito que eu a esfregue no colo dele
mas quando tento
ele abre as pernas
e acabo sentada no sofá e não mais no seu pau
ele desce uma das mãos
e fala no ouvido
abre as pernas
eu abro
a mão esquerda vem subindo
por dentro da coxa
os dedos por dentro do shorts
ele arrasta a calcinha para o lado
passa com delicadeza dois dedos por cima
fico arrepiada
a boca dele está muito perto do meu ouvido
a mão direita ainda dá leves apertões no mamilo
eu quero pedir para ele me fuder
mas vou deixá-lo fazer como quiser.
ele dá uns tapinhas na buceta
mexo um pouco o quadril 
ele penetra dois dedos na vagina
e a palma da mão pressiona o clitóris
ele faz um movimento rápido
entrando e saindo da minha buceta
sem nunca descolar a palma do lugar que me enlouquece
ele diz
que só vai parar 
quando eu gozar
ele tira a mão do peito
e enfia na minha boca
chupo seus dedos devagar
e ele me fode mais rápido com os dedos
minha língua também se move mais rápido
e ele enfia mais um dedo na minha boca
agora o outro
e quatro dedos arrombam minha boca, e dois arrombam minha buceta
mas eu só gozo
quando ele fala
no meu ouvido
goza gostosa, goza.

crise de riso
ri até a barriga doer
ele riu de me ver rir
foi uma delícia isso, obrigada
não acabou não, vem cá
ele abre a calça
busco uma camisinha
ele bate uma punheta
ele é realmente bonito
adoro homem bonito
lhe dou a camisinha
lhe roubo um beijo
me viro de costas
a gente se ajeita
ele coloca o pau 
eu sento 
ainda rio
feliz por ter gozado gostoso
e sobrea, transbordar-me em gargalhada
como sempre deveria ter sido.

Escrito por :

Cinthia Morelatto

Cinthia Morelatto
Eu poderia ser sommelier de pão de queijo ou algo tipo Marie Kondo. Mas a palavra é meu lugar, então escrevo: redatora, copywriter, roteirista e canhota. Coloco ideias no papel e as tiro de lá com muita facilidade: fui produtora por doze anos, fazer acontecer é comigo mesma. Cinema, teatro, shows, eventos e entre um e outro tirava o caderninho da bolsa e me debruçava na poesia e nos contos eróticos – agora me concentro em saber tudo o que não sei para esse blog funcionar.