Entender a própria sexualidade e gênero infelizmente ainda está longe de ser algo saudável na nossa sociedade, a heterossexualidade compulsória, por exemplo, coloca muitas barreiras na descoberta de diversas pessoas que passam anos (senão décadas) sem entender os próprios desejos.
É partindo deste ponto que este texto foi construído, com relatos de pessoas LGBTQIAPN+ em relação à própria autodescoberta. Há experiências que as diferenciem assim como as que as aproximam, vem saber tudo o que elas têm a dizer!
Heterossexualidade compulsória
“A heterossexualidade nunca foi uma escolha: ela era o único caminho possível.” Larissa Pereira.
Antes de conhecer os entrevistados e o que eles disseram sobre o assunto, um spoiler: todos os 6 entrevistados afirmaram ter reprimido os próprios desejos por muito tempo, alguns utilizaram esta palavra, outros não, mas é unânime o fato de que negaram esse lado de si mesmos por muitos anos!
O Matheus Ferreira, homem cis gay, fala um pouco sobre como foi pra ele “Foi bem conturbado porque sempre vivi na dicotomia de que estava vivendo errado, pois toda a minha família era evangélica. Então a maior parte do tempo eu reprimia aquele sentimento, até o momento que saí da igreja e pude me permitir a descoberta. Acho que a própria vida foi mostrando que seria muito difícil sustentar essa contradição de querer, mas ‘não poder’ que a igreja me dava”.
Como ele mesmo diz, a religião pode fazer parte desta cultura em que a heterossexualidade é uma certeza imposta a todos, mas em diversos outros âmbitos da sociedade está presente a pressão para se viver como heterossexual como se fosse a única maneira (e certa) de se viver.
É a partir disso que as pessoas namoram, casam e seguem o que é dito como certo para elas, sem antes nem conhecer e entender o que realmente desejam. A história da Larissa Pereira, mulher cis lésbica, exemplifica com a situação que viveu “Vim de uma família muito cristã. Desde pequena, me diziam que eu precisava aprender a cozinhar, limpar a casa e me preparar para um dia, ser uma boa esposa — de um homem, claro”. O Eduardo Mattos, homem cis pansexual, também comenta sobre a “norma” da heterossexualidade “Descobri com uns 15 anos que eu não gostava somente de mulheres como é o padrão da heteronormatividade, me considerava Bi, com o passar do tempo fui entendendo mais sobre todos os termos do ‘Vale’ e sobre mim, e percebi que não me importa o gênero e nem a orientação da pessoa, se eu gosto eu gosto”.
Num geral, a heterossexualidade pode causar conflito interno por fazer com que seja negada a própria sexualidade, desvalidando tais desejos, isso pode acontecer de forma consciente, ou até mesmo inconsciente como no relato da Aline Cruz, mulher cis lésbica, “Tudo parecia ser uma curiosidade boba, começou com atração física pela primeira vez por uma mulher quando estava bêbada, depois vieram sonhos, pesadelos, crises internas e também no relacionamento (hétero) e apesar de fugir ou minimizar, tudo isso ficou claro com o tempo pra mim. Como diz uma música da Chappell Roan ‘Você teria que parar o mundo para parar o sentimento’, e não, eu não consegui parar”.
E quando a descoberta “demora”?
Não tem idade certa ou errada para descobrir a própria sexualidade, até porque ela pode ser fluída e mudar com o tempo. Mas analisando as pessoas entrevistadas, foi possível perceber que entre 6 pessoas, 4 delas entenderam a própria sexualidade entre os 15 e 18 anos, enquanto outras 2 se entenderam dentro da comunidade LGBT após os 22 anos.
Quando ocorre na adolescência pode haver certa vulnerabilidade, já que ainda é uma fase em que se depende dos pais/responsáveis para viver, então o medo de ser “aceito” ou não, pode ser muito maior. A descoberta pode acontecer desde a época de escola, como comenta a Giovanna Januzzi, mulher cis bissexual “a virada de chave mesmo foi na escola, quando me apaixonei pela primeira menina hétero... Foi platônico e bobo, mas foi a primeira vez que senti atração por uma menina da minha convivência, durou 2 anos e claro não foi correspondido”.
Já quando a descoberta acontece durante a fase adulta, podem ocorrer ainda mais questionamentos para entender porque estava reproduzindo relações hétero até então, por exemplo, uma falsa sensação de estar “atrasada”, mas em compensação a possível maturidade e independência pode ajudar a realizar as próprias vontades, sem depender da aprovação da família, por exemplo. A Larissa, conta sobre como foi para ela “Na adolescência, vivi um relacionamento conturbado com um homem por 3 anos. Depois, conheci outro homem — e dessa vez, era alguém realmente bom. Ficamos juntos por 7 anos. Ele era carinhoso, romântico, companheiro. Minha família o adorava. Eu achava que o amava também. Tudo estava certo… menos uma coisa: o sexo. Eu nunca gostei. Nunca desejei. Mas ainda assim, sentia que precisava continuar. Porque eu ‘amava’, porque ele era ‘bom demais’, porque era ‘o certo’. “
Algo em comum entre as duas lésbicas entrevistadas foi que ambas entenderam que gostavam de mulheres só depois de terem longos relacionamentos com homens e depois dos 22 anos de idade. Isso é comum justamente pela heterossexualidade compulsória, pelas mulheres viverem acreditando que precisam amar o príncipe para ser feliz, por aprenderem a serem obedientes e certinhas, e claro, entre outros fatores particulares de cada trajetória. Aline completa sobre a sensação de ter “demorado” “Muito tempo depois, peças se encaixaram, entendi pensamentos e comportamentos que sempre tive por viver na heterossexualidade compulsória sem saber, me culpei por muito tempo por não ter me entendido antes, enfim.”
Representatividade - A arte como espelho de nós
Entre 6 entrevistados, metade deles mencionaram alguma relação artística com a descoberta deles como pessoa LGBTQIAPN+, ou seja, metade das pessoas. Isso mostra o quanto a arte pode ser marcante e importante para este processo, o quanto a representatividade é essencial para nos enxergarmos e não continuarmos apenas seguindo padrões da cultura de massa.
Para a Giovanna, desde pequena foi possível entender melhor suas próprias vontades “Quando eu era mais nova, eu reparava só em mulheres como ‘Xena a princesa guerreira’, ‘Tomb Raider’ e no fundo eu não sabia se eu queria ser igual a elas ou se eu sentia atração por elas. Quando apareciam homens pra salvar sua donzela eu me imaginava como o salvador e não a donzela“.
Enquanto para a Aline, já adulta, ver duas mulheres juntas foi um insight para começar a questionar os próprios desejos “Cenas sáficas em Orange Is The New Black que me atraíram e não entendi o motivo (assisti bem depois da série ficar em alta, por volta de 2021), só pensei ‘isso parece ser muito bom’, talvez tenha sido uma das primeiras vezes que me recordo de ter visto mulheres femininas juntas”.
Para Lucas Temis, homem trans e bissexual, foi com a letra de uma música que ele se identificou e começou a refletir a partir de então “Foi aos 16 que escutei uma música em que dizia ‘tonight I wish I was your boy’. Eu ouço muito música, chega até ser meio anormal e quando eu ouço, imagino diferentes cenários na minha mente. E foi com essa música que percebi que nesses meus cenários eu sempre me imaginava como um garoto, desde pequeno. Aí depois disso, eu comecei a mudar minha percepção sobre mim mesmo, porque senão ia viver numa depressão contínua”.
Mural de medos e violências – a realidade ainda fere
Ao analisar as respostas das pessoas entrevistados, uma coisa fica evidente: a homofobia. A violência começa, a partir destes relatos, pela aparência, ou seja, pelo que foge da norma binária do que se espera que homens e mulheres se comportem/vistam/ajam. Quem cumpre a “feminilidade” aguardada pela sociedade para as mulheres, assim como a “masculinidade” para os homens, pode passar desapercebido e escapar de preconceitos que pessoas trans e mulheres que não se vestem de forma feminina sofrem desde o primeiro olhar.
Começando pela Aline, que tem aparência do que se “espera” como uma mulher cis feminina “Acho que ser uma mulher ‘feminina’ minimiza muito preconceitos que eu poderia sofrer de cara, já que ‘não aparento ficar com mulheres’, além do fato da relação entre mulheres ser muito fetichizada pelos homens.” O Eduardo também comenta de forma parecida por estar dentro do que esperam visualmente “Para mim que sou homem cis, pouco afeminado, creio não ter grandes desafios. O maior desafio já foi, me conhecer”.
A Larissa já traz outro lado muito presente para mulheres que ficam com mulheres, independente da aparência “Acho que o maior desafio é andar em público de mãos dadas ou manifestações de carinho em geral... nunca dá pra saber, num bar, na rua ou no uber se a pessoa (geralmente um homem) é doido. Já passei também por situações em que eu estava com uma menina e vinha um cara sem noção dizer coisas do tipo ‘posso participar?’. Acho que viver com esse medo, saber que existem lugares onde não somos bem-vindas... essa parte é difícil”.
A Giovanna traz o relato talvez mais dolorido deste texto em relação aos desafios de ser uma mulher não feminina, que infelizmente retrata a realidade de muitas pessoas da comunidade “Com certeza os olhares das pessoas, às vezes parece que eu sou um animal exótico, são olhares curiosos, olhares de julgamento, olhares agressivos. Os banheiros públicos também são bem complicados, me olham como se eu tivesse errado o banheiro. Além disso, muitos homens me confundem e acham que tem direito de vir pra cima”.
Bem próximo também do que o Matheus diz sobre sofrer nos ambientes que gosta de frequentar que acabam não sendo seguros/confortáveis “Acho que, em geral, o medo de certos contextos e lugares que frequento. Tem experiências que preciso ir com mais calma por ser uma pessoa LGBTQIAPN+, pois são lugares que exaltam muito a masculinidade e onde se escutam muitas piadas machistas e homofóbicas. No meu caso, algumas alas das escolas de sambas acabam entrando nesse lugar, mas sinto isso principalmente no futebol, quando frequento os estádios e a sede da Torcida Organizada dos Gaviões da Fiel”.
Por fim, o Lucas diz sobre um dos maiores desafios de ser uma pessoa LGBTQIAPN+, a violência e o olhar alheio “Acho que nosso maior desafio é aturar pessoas com mente fechada e preconceituosas, para nos proteger de alguma violência tanto verbal quanto física. Há muita desinformação sobre nós que somos pessoas como qualquer uma, sabe? A ignorância de alguém pode ser fatal para nós”.
Este texto daria um vídeo ou até mesmo um livro, a descoberta e vivência de uma pessoa LGBTQIAPN+ dá assunto de sobra, que infelizmente não são apenas de delícias e prazeres. Deixe nos comentários o que você achou deste conteúdo, se identificou com algo?
Que não só esse mês, como todos os outros, seja de maior consciência e menos discriminação, afinal, todos merecem viver o prazer e o amor de forma livre. Independente da sexualidade e do gênero, aqui na Exclusiva tem os sex toys ideais para você ter muito prazer, aproveite para conferir na nossa loja online!
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