eu não sei dizer nada por dizer,

então eu escuto.

precisamos escutar quem precisa falar. conversamos com Luá Alvez Belli, transfeminina (ela/dela), fisioterapeuta e educadora especializada em Ginecologia e em Saúde LGBT+, um bate papo gostoso e extremamente importante.

vamos escutar?

primeiramente, vamos entender a data.

Luá explica:

No dia 29 de Janeiro é comemorado no Brasil, o Dia Nacional de Visibilidade TRANS e TRAVESTIS.
Essa data é de grande importância para essa população, pois em 2004, nesta mesma data, um grupo de 27 pessoas trans e travestis de diversos movimentos sociais pelo Brasil foram até o Congresso Nacional reinvidicar seus direitos em favor da campanha, denominada na época como "Travesti e Respeito", em um histórico ato político em favor do respeito a diversidade de identidade de gênero e em busca de pautas importantes, principalmente as que se referem à saúde, respeito aos nomes, reconhecimento do trabalho sexual como digno, direto ao trabalho decente, direito à vida, dentre outras.

O ato coincidia com uma ação do Ministério da Saúde, que na época, buscava promover o cuidado contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), problema que historicamente, foi associado preconceituosamente à população trans. Apesar de nos últimos anos termos assistido conquistas importantes no campo dos direitos da população trans, diariamente surgem denúncias que revelam um crescente quadro de violência e discriminação, que submetem uma parcela da nossa população à situações constantes de risco e violação de direitos.

Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de mulher trans ou travesti no Brasil é de apenas 35 anos, número que representa menos da metade da média nacional, que é de 76 anos. Para a grande parte dessa população, todo esse cenário é somado à situação de vulnerabilidade socioeconômica e de conflitos familiares e comunitários. Além disso, a população trans e travesti enfrenta dificuldade de acesso e permanência na escola, o que gera altos índices de evasão escolar; de preparação e qualificação profissional para o mundo do trabalho; de inserção no mercado de trabalho; de acesso à saúde, dentre outros.

Por este motivo, esta data se torna crucial na busca de direitos humanos de igualdade para a população trans. 

e o que é TRANS, Luá? 

Transgêneros (ou somente TRANS), em suma, são pessoas que não se identificam com o seu gênero de nascimento.
Não significa estar no “corpo errado”, mas trata-se da construção de uma identidade de gênero a partir de vários aspectos sociais e psicológicos.

E, para melhor entendimento, é importante que a gente entenda alguns termos importantes. Afinal, o sexo que nascemos nos definem? A resposta é não! O gênero de nascimento (ou sexo biológico) é designado com base na visualização das genitálias ao nascer, dentre outras características sexuais.

Com o avanço científico buscando entender o comportamento plural do ser humano, compreendemos que essa era apenas uma característica das pessoas e que era diferente da forma que elas podiam se identificar em sociedade - a qual denominamos de identidade de gênero. A identidade de gênero é sempre autorreferida e só o próprio indivíduo pode exteriorizá-la, sendo definida como a convicção da pessoa em se reconhecer como homem, mulher, algo entre essas definições ou fora do padrão binário hegemônico, independentemente do sexo biológio (gênero de nascimento) e/ou da expressão de gênero.

Caso você se reconheça com o gênero que foi atribuído ao seu nascimento, podemos considerar que você é uma pessoa CISgênero (o termo CIS vem do latim e significa “do mesmo lado que”), já quando você não se reconhece com o sexo biológico, chamamos de TRANSgênero.
Algumas pessoas trans percebem sua identidade desde a infância. Entretanto, essa identificação pode dar-se em outros momentos do ciclo vital, como na adolescência, na idade adulta ou mesmo na velhice.
A insatisfação com o corpo gera desejos e impulsos de mudanças, que precisam ser compreendidas para além dos aspectos físicos, transpassando ressignificados psicoemocionais e sociais. A busca pelo conhecimento dos fatores determinantes na formação da identidade de gênero é de cunho meramente científico, para maior compressão do comportamento humano e jamais poderia ser usada como forma de modificá-la. A tentativa de manipulação (como é o caso do termo extremista inexistente na literatura científica: ideologia de gênero) com fins de eugenia é antiética e considerada criminosa.

para não esquecer: TRANS x TRAVESTI,

explica pra gente, Luá.

Muitas pessoas preferem não conseguir diferenciar mulheres trans de pessoas travestis. Primeiramente, é importante saber que ambas são identidades femininas, por este motivo, nós sempre iremos referir-lás em pronomes de tratamento femininos (algumas pessoas podem preferir pronomes neutros, por isso, quando não se tem contato com a pessoa, o melhor é perguntar).

TRAVESTI é uma identidade de gênero feminino originalmente latina. Ou seja, não há traduções para outros idiomas. É uma pessoa que foi designada no gênero masculino ao nascer, mas se reconhece numa identidade diferente e transfeminina e, que não necessariamente desejam ser lidas como mulheres.
O motivo de especificar o termo TRAVESTI é o fato de representar uma construção identitária que foi marginalizada pela nossa história. Essa expressão foi disseminada em nossa cultura com uma associação direta à prostituição, ao exibicionismo, à baixa escolaridade, à criminalidade e ao comportamento imoral.
Por isso, podemos dizer que ser TRAVESTI também é um processo de ressignificação e resistência sociopolítica. “Traveco” é um termo pejorativo e não deve ser replicado. TRAVESTI É TRAVESTI!

Já a MULHER TRANS, é uma identidade de gênero designada para pessoas que foram atribuidas ao sexo masculino ao nascer, mas se percebem no gênero feminino.
É importante lembrar que bem toda MULHER TRANS ou TRAVESTI pretende fazer modificações corporais ou cirurgia de redesignação sexual. Essa sim é uma escolha, mas não quer dizer que, quem não fazer procedimentos hormonais e/ou cirúrgicos é “menos trans” do que aquelas pessoas que fazem.

e como se dá a transição?

percepções do não reconhecimento dentro do gênero de nascimento.

Geralmente, o processo da transição de gênero é iniciado com ou sem ajuda profissional, e podemos dizer que, a transição social está relacionada com a mudança da expressão de gênero, adequando-as ao gênero sentido e vivenciado.
Ela é parte da vivência das pessoas trans e pode acontecer em qualquer fase da vida e, normalmente, se dá através do uso de roupas, acessórios, corte de cabelo, nome social, retificação do nome e gênero, pronomes de tratamentos, tratamentos hormonais e cirurgias de modificações corporais.
A maioria das pessoas buscam realizá-las para aliviar a própria disforia de gênero - que é o sofrimento em decorrência da incongruência de gênero. O acompanhamento psicológico é um instrumento de grande importância tanto para quem está fazendo a transição quanto para a sua rede de apoio - famílias, cônjuges, amigos.

e sobre a saúde sexual de pessoas trans?

A saúde sexual e a sexualidade são características individuais fundamentais no bem estar pessoal e na sociedade.

Deste modo, tornam-se um aspecto essencial na qualidade de vida tanto da população cis como da população trans e não binária. Esta última população passa, regra geral, por vários estágios ao longo da sua vida (antes, durante e depois da transição), pelo que é importante tentar assegurar que em cada um a sua sexualidade e função sexual sejam saudáveis.

Todas as pessoas ao viverem em sociedade são bombardeadas pelos padrões culturais e estéticos de expressões, performance em papéis sociais e sexuais de gênero, isso leva as pessoas a terem dificuldade de falar sobre seus aspectos corporais, de saúde sexual e reprodutiva.
Para se ter ideia algumas pessoas trans relatam dificuldades em expor o próprio corpo e falar sobre como ele funciona, de se sentirem desejadas, boa parte não se acha atraente, e outra parte relatam dificuldades em serem tocadas e até mesmo medo de se envolverem em atividades sexuais. E, como sabemos, essas situações acabam afetando negativamente a autoestima, satisfação corporal, os relacionamentos afetivos e sexuais.
Por ser algo diretamente relacionado à vivência pessoal de cada pessoa, a maneira de sentir prazer ou realizar atividade sexual pode ser diferente, mesmo entre quem possui as mesmas características corporais, identidade de gênero e/ou orientação sexual.

As práticas sexuais são consideradas como parte importante da vivência da sexualidade, com o objetivo de busca do prazer sexual. No imaginário popular, há muita especulação e curiosidade sobre as práticas sexuais das pessoas não cisheterosexuais. No entanto, ainda é escassa a literatura científica sobre prazer, satisfação e qualidade de vida sexual das pessoas trans.
Geralmente, as práticas sexuais envolvem pessoas, ou fantasias sobre pessoas que possuem uma identidade de gênero pela qual outra pessoa sente atração - mas, isso não é uma regra, como é o caso de quem é profissional do sexo, ou assexual.

A falta de conhecimento, o estresse de minorias, os preconceitos e as discriminação ainda são os maiores empecilhos para a promoção de cuidados de saúde sexual de pessoas LGBTQIA+ no geral. É importante considerar que as pessoas podem, se assim desejarem, ter atividade sexual prazerosa fora dos padrões patriarcal e endosexista, ao ter abertura para o diferente, para explorar, se apropriar e ter satisfação com o próprio corpo, descobrir áreas e estimulação erógenas, desconstruir papéis sexuais e de gêneros típicos; reinventar, tocar, sentir, interagir e se divertir com novas experiências sexuais.

Obrigada Luá, por nos ensinar.

É muito importante que a gente escute, que a gente aprenda o outro - se comportar de maneira respeitosa é uma obrigação, um exercício de cidadania essencial para conviver numa sociedade justa, saudável e democrática.
Procure saber. Pesquise. Pergunte para quem pode falar sobre. Não é feio ter dúvidas, não é feio questionar. Feio é alimentar a exclusão que se estende até os dias atuais. Não era para estarmos falando disso, reforçando o respeito - isso já deveria estar intrínseco em nós.

Se você tem dúvidas ou sugestões de pauta, manda pra gente. 
Se você quer acompanhar o lindo trabalho da Luá, siga ela no instagram @luaalvesbelli

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